domingo, 16 de novembro de 2008

Luíza
Veja uma nova forma de encarar a realidade. Conheça Luíza

Por Carlos Ferreira
Hospital Nossa Senhora de Fátima

- Você escuta vozes?
- Não. – Esse médico não tá me avaliando direito.
- Como você está?
- Bem. – Eu estou me sentindo bem, realmente.
- Quer uma licença pra ir pra casa?
- Sim. – Só isso? Vou pra minha casa depois de oito meses.

Meu problema começa, no meu trabalho. Tava tudo bem... Até hoje... Trabalho nessa seguradora faz uns sete anos... Mas hoje quando cheguei, minha mesa tinha ido para outro lugar... Fui encaminhada para a área de sinistro... E não me avisaram nada... Só me mudaram de lugar.
Não sei bem como começou esse problema... Mas quando me mudaram de lugar, várias coisas começaram a acontecer... Fui assaltada, conversei com um médico depois, ele me disse que tive síndrome do pânico... Dormi em banco de praça... Tive depressão... Pedi demissão... Sou analista de organização e métodos, mexo com números, um trabalho muito complicado... É muita lógica... Sempre precisei trabalhar muito com a capacidade máxima das empresas... Às vezes a empresa tem muito recurso e produz pouco... Isso é porque falta uma pessoa que veja o horizonte... Pra fazer a empresa crescer precisa de visão... Trabalhava até ontem com planejamento.
Hoje não tenho apoio da minha família, eles acham que não sou doente... Meu pai e minha mãe não me vêem como uma doente... Não aceitam que estou doente... Tentei passar na Fuvest, tentei engenharia, mas não consegui... Fiz cursinho durante dois anos... Depois fiz matemática na São Judas... O curso era novo... Perto da minha casa... Passei e me formei... Estudei cinco anos.


Casa de saúde de Santana

Tem muita gente aqui para pouco espaço, as camas estão até a cozinha, à higiene aqui é pouca... Acho que tem mais de cem pessoas aqui... É muito pequeno, tem muita gente... E de novo o médico perguntou se escuto vozes.. Esse remédio não me faz bem...

- Eu queria um sabonete – quero tomar banho!
- Não damos. Aqui você tem que trazer

Nesse hospital não fui bem recebida... Nem sabonetes eles me deram... Tenho que comprar... Tudo aqui tem que comprar... E a clinica é chic... Um hospital particular... Ainda bem que esse hospital foi fechado logo que sai de lá... Eram três casas com mais de cem pessoas... Muita gente... Esse remédio Ardol acaba comigo... Lá eles me deram desse remédio... O Fenergan também.

Hospital Psiquiátrico Ermelino Matarazzo

Aqui resolveram meu problema, estou curada, o médico trocou meu remédio, estou bem melhor... Só não sei qual é o nome desse remédio que eu tomo... Não tomo mais Ardol... Fiquei feliz... Aqui participei de uma inauguração... A prefeita Erundina estava presente... Fiz um discurso... Esse discurso ficou com a prefeita... Ela gostou... Voltarei para casa... Meu irmão está lá me esperando... Estou aqui há apenas dois meses e já vou embora... Estou curada!

1º andar de um apartamento qualquer

Voltei pra casa... Estamos apenas eu e meu irmão... Não recebemos muitas visitas e também não saímos muito de casa... Meus pais não estão mais vivos... Minha mãe faleceu em 89 e meu pai em 97... Mas eles não me viam como doente... Não sabiam que estava doente... Moro no primeiro andar... Aqui é quieto... Eu e meu irmão estamos juntos... Os vizinhos arrombaram a porta do nosso apartamento... Estamos deitados... Ajuntamos materiais recicláveis... Colocamos em casa... Nossos familiares não falam conosco... Não tenho o apoio que deveria ter da minha família... Os vizinhos perceberam que não recebíamos visitas... Quiseram nos ajudar... Não sabiam o que estavam fazendo direito... Chamaram médicos.

- Nós vamos encaminhar vocês dois para um hospital.
- Sim. – Estamos, eu e meu irmão, indo para outro hospital, esses moços não estão nos fazendo mal... Não sei exatamente o que eles estão dizendo... Mas iremos sem problemas... Não vamos complicar... Eles querem nos ajudar... Vamos Eduardo...

Hospital Tatuapé

Colocaram nossas macas no chão, eu e meu irmão estamos em um novo hospital... Aqui tem uma grade na janela... Parece que estamos trancados... Só tem uma brecha pra alguém falar com a gente... Ficamos todo o tempo trancados por fora... Aqui também tem muita gente... Um senhor está quebrando o teto de gesso com a maca, não quer ficar trancado... Esse remédio... Ele não me faz muito bem, quero tomar o remédio que o médico do Ermelino me passou... Esse remédio me faz mal... Ardol de novo...

- Vocês dois serão transferidos
- Sim. – Vamos para um novo hospital

Em um hospital qualquer

Aqui é muito tranqüilo... A higiene aqui é muito boa, o hospital mais limpo que já fiquei... A dificuldade aqui é falar... Outra coisa que eu reclamo é que os médicos não têm o histórico do paciente... Acho que isso é importante... Quando eu sair daqui vou fazer uma reclamação, precisamos de um histórico... Daqui a algumas semanas vou sair daqui... Meu irmão não está mais comigo, morreu de um câncer no esôfago... Quero voltar a trabalhar... Minha família agora vai me dar apoio... Vou voltar para minha casa... Vou voltar a trabalhar... Talvez volte a estudar... Aquela faculdade de agronomia que queria fazer... Vou me especializar... Quero me especializar mais.

Quero trabalhar... Quero que o médico troque meu remédio... Esse remédio não me faz muito mal... Mas mexe com minhas idéias... Não consigo ficar em uma mesa de reunião... Terei que deixar tudo escrito... Vou voltar pra casa... Minha cunhada e minha tia agora vão me ajudar... Terei o apoio da família que antes eu não tinha... Vou morar no mesmo lugar que morava... Meu apartamento... Minha cunhada e minha tia reformaram... Querem me fazer uma surpresa...

Estou triste de ir embora... Aqui eu conheci bastante gente legal... Estava cozinhando hoje... Fiz macarrão e frango... Aqui nós fazemos tudo... Lavamos nossas roupas... As monitoras nos ajudam... Aqui eu moro numa casa.... É organizado... Mas na biblioteca poderia ter alguns livros mais leves... Só tem livros teóricos universitários... Isso é uma leitura muito pesada... A parte que mais gosto daqui é a ala feminina... Não passei por lá... Meu caso não era tão grave... Mas eu gosto de lá... Lá é bonito... Vou sentir saudade... Agora tenho que conseguir uma licença para trabalhar no parque da água branca... Faço crochê... Meu trabalho aqui é bem valorizado... Tenho encomendas... Também vou participar de um concurso de poesia... O título será A FACE... Vou para casa semana que vem.


___________________________________________________

Essas foram as internações que Luíza
* foi submetida. Há aproximadamente 21 anos, ela entra e sai de hospitais psiquiátricos, durante esse período, perdeu seus pais e irmão, que também foi internado no último hospital junto com ela e faleceu por conta de um câncer no esôfago.
Agora, após um ano e oito meses de internação em um mesmo hospital, ela se prepara para voltar a sua casa, na verdade seu apartamento em um bairro da Zona Leste da cidade de São Paulo.
Luíza sofre de transtornos psicológicos. Matemática, formada em 1982 em pela Universidade São Judas Tadeu, hoje é dona de um discurso forte e tranqüilo, porém fragmentado, o que às vezes deixam as coisas um pouco subjetivas.
A forma como o texto foi apresentado é a versão que ela conta desses últimos 21 anos de sua vida e das perspectivas que possui. Está prestes a receber alta, está programada para uma semana após a realização desse relato.
Para a equipe do hospital que a acompanha, Luíza é uma paciente prestes a receber alta, é uma amiga, uma pessoa que foi internada de maneira indevida, que não recebeu apoio da família e que hoje tem tudo para melhorar sua vida. Para sociedade Luíza é uma interna de um hospital psiquiátrico, popularmente chamada de louca, mas aqui Luíza na verdade se tornou uma protagonista e contou sua história, da sua forma, para quem deseja escutá-la.

* Nome fictício, o hospital atual e o endereço do apartamento também serão mantidos em sigilo, para preservar a imagem da entrevistada.